sábado, 31 de dezembro de 2011

365


As palavras só existem para lhes podermos trocar a ordem das letras.
As letras só existem para podermos brincar com elas e com as palavras.
As palavras só existem para nos podermos calar.
Os silêncios só existem quando há alguma coisa para dizer.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

364

Aquela estranha sensação de olhar para uma foto e ver pessoas com as quais tivemos de certeza uma parte da nossa história em comum mas que hoje em dia somos incapazes de reconhecer ou até mesmo, e com muito esforço, recordar o seu nome. Sinto-me diferente ao olhar para todas as páginas que escrevi, aquelas que tem seguimentos lógicos ou aquelas soltas, palavras que foram despejadas em guardanapos ou em restos de papel esquecidos muitas vezes pelos bolsos e só mais tarde recuperados para o meio de outros tantos já armazenados numa bolsa plástica qualquer. Choro ao olhar para as fotografias esquecidas em caixas e desalinhadas da sua linearidade temporal. Choro porque já não sei quem são aquelas pessoas ao meu lado, a sorrirem, a cumprimentarem-me, com um ar cúmplice em relação a mim como se fossemos ficar assim para sempre trespassando o tempo da própria fotografia.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

362

O que lês agora é já passado na escrita. A novidade que se aproxima com a mudança que não controlas rapidamente é passado. A habituação aos dias e aos quotidianos é quase imediata e de repente tiram-nos tudo. A facilidade em perder coisas é natural, faz parte de nós como se fosse quase condição humana.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

360

Não há pior situação do que acordar, de repente múltiplos sonhos que se esvaem em nuvens de fumo, tudo se perde, tal qual se deixássemos um papel escrito à chuva, as palavras a perderem-se e o papel a derreter e o máximo que podemos fazer é esperar que ele seque e tenha conservado algo, uma réstia de esperança por cada gota de tinta. 

Sinto-me tão sozinho e sinto um frio estranho que me percorre todo o corpo, uma sensação de vazio, uma sonolência que invade. Todos os dias acordo, todos os dias morro mais um pouco, gostava de não ter que voltar a sentir, dormir e sonhar para todo o sempre. Infinitamente adormecido.

domingo, 25 de dezembro de 2011

359

Aqueles sons que se omitiam junto de ti, aquelas músicas que te têm nas letras e nos acordes. A dor de recordar bons momentos é realmente algo complicado de perceber. Olhava para toda aquela gente a dançar numa ânsia de largarem os restos de mundo exterior que os perseguiam, notava-se a pretensão de soltar todas as raivas e fúrias, largar no esquecimento um dia maus no trabalho, uma discussão familiar e eu queria tanto ser como eles. Queria chegar aqui e ter a facilidade de me soltar assim também, de deixar todo o mundo para trás.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

355

Seria tão mais fácil que a palavra escrita gozasse de tanta frontalidade como as palavras que dizemos olhos nos olhos. Não teríamos de ultrapassar aquele aperto de barriga quando os dois corpos, próximos, tão próximos que por vezes se tocam. Voluntária ou involuntariamente uma mão passa na outra, um toque no cabelo, na face ou as pernas que se cruzam debaixo de uma qualquer mesa. Forçamos tantas vezes esse toque ocasional. Tão ocasional e tão especial que tem um sabor de vitória que se celebra solenemente numa solidão incompreendida porque a situação é estranha e desconhecida. O deslumbramento ocasional com as situações mais banais que chega a ser ridículo pelas formas que encontramos para encaixar essa pessoa no nosso quotidiano.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

353


Partiste com a chegada da madrugada e para trás deixaste um corpo perdido numa imensidão de tempo, odores e toques que ficam marcados a fogo. Já não sinto o teu corpo no meu nem sequer resta parte dos teus cheiros mas a brisa da manhã traz-te até mim com a suave lentidão de odores que se espalham pelas ruas da cidade. Acordar, a cidade sente-se a acordar nos pormenores de uma visão ainda demasiado pura e inocente para ser corrompida pelo brilho da noite. É precisamente isso. Abrir os olhos só com o chegar do sol para um novo dia permite que continues a acreditar que ainda é possível que as pessoas digam “Bom dia!” todos os dias, que se levantem sorridentes com a possibilidade de viver mais um dia. Não é pelos candeeiros da rua que se vão apagando em linhas sucessivas até que o último se extinga até ao cair do dia mas também não pode ser pela luz que entra pelo quarto sem pedir licença. Há algo de diferente no dia de hoje e não sei se tu foste a culpada… certo é que hoje alguma coisa está diferente.

domingo, 18 de dezembro de 2011

352

Não imaginam vocês o quanto frágil é a pérola do nosso peito. Nem imaginam vocês o quanto preciosas são as pedras que derramamos em vosso nome. Nem imaginam o quanto asnáticas conseguem ser as sereias, vivendo entre sonhos e pesadelos, entre momentos passados e futuros, criando ilusões continuas e magoas profundas. Novamente nos deixamos enganar pelo lobo, ingénua estrela. Conhecemos os nossos limites, conhecemos os sacrifícios em nome do bem-querer, mas novamente nos deixam cair na infortuna sorte. Ninguém sabe o quanto nos ardem os olhos de chorar areia. Ninguém conhece a profundeza da nossa pérola, nem o brilho das nossas pedras. É a mesma dor que nos agonia o corpo e no faz falecer a cada lágrima do oceano.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

349

Verso em linha contínua do eléctrico que continua a passar todos os dias à minha porta. O eléctrico que não traz nem o amor nem o desejo, somente a lembrança de longos passeios até ao mar. Entre o som da roda no carril, a buzina, os carros ao lado a passar e toda a cidade que vai ficando para trás. A correria de uma cidade que já pouco olha para si própria, as pessoas quase já não se desviam para deixar passar o eléctrico ou quase já não olham para ele como algo bonito. Transformado em mero objecto de transporte incluiu-se no seu quotidiano e agora é menos que o metro e que um qualquer automóvel. As suas linhas já pouco rasgam a cidade e são demasiado controversas para serem discutidas. Os miúdos já não se penduram nas grades traseiras do eléctrico para passearem até à praia. Trocado pelo tempo e esquecido pelas pessoas até o seu gemido gritado pelas rodas em contacto com o metal do carril tem de ser abafado com óleos e massas especiais para que não incomode as pessoas. Circulas como se fosse um favor que te fazem.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

346

Com a certeza de uma noite já mal passada, são cinco e tal da manhã e ainda não consegui adormecer. Às voltas na cama, com um calor insuportável e perdido no meio de lençóis já bastante maltratados pelas voltas e revoltas desta noite que não me parece que vá trazer alguma coisa de bom. Acabo por não resistir e desarmo, levanto-me e digo o último adeus ao leito do descanso que acabo de perceber que nunca iria chegar na noite de hoje. Rendido dirijo-me para a cozinha, a bater aqui e ali nos móveis e em objectos que neste momento soou incapaz de reconhecer. Abro o frigorífico à procura de água que me alivie deste calor mas o impacto da luz e da brisa fresca que dele saem quase me deitam ao chão. Recuperado daquele choque deixo que a água me escorra pela garganta por dentro e por fora. Sinto um novo alento mas não há forma de aliviar aquele calor. Começo a conformar-me com o facto de ter que passar a noite em branco e procuro algo para me ocupar.

domingo, 11 de dezembro de 2011

345


Nas pausas da escrita levanto os olhos do papel para beber o meu café e dou por mim a pensar como gostava que estivesses ali ao meu lado. A partilha do momento é algo que passa pela minha cabeça muitas vezes. Aquela música que se ouve e se tem vontade de partilhar, aquele luar que tem que se partilhar e as memórias conjuntas que ficam para mais tarde recordar. Faz tanto tempo desde a última vez que estive contigo, que a minha memória de ti se esvai como a tinta em que escrevo para não te esquecer.

sábado, 10 de dezembro de 2011

344


Calcorrear ruas à noite tem sempre a magia de ficarmos a conhecer uma nova cidade, uma realidade conhecida por poucas pessoas. Não deixa de ser de certa forma impressionante como os espaços se transformam com o cair da noite. As ruas que ficam desertas de pessoas que se refugiam nos subúrbios mal saem do trabalho. A fuga deste espaço urbano é um fenómeno interessante e triste de pessoas que correm atrás de uma falsa qualidade de vida em prédios que se acumulam por tudo quanto é canto nas cidades periféricas. Deixam para trás a cidade histórica, abandonada e esquecida como se fosse um velho trapo, que já só usam para trabalhar e pouco mais. Com o tempo tudo foge e cada vez mais esta cidade, à noite é o deserto dos que vagueiam sem rumo.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

342

Naquela tarde, de um momento para o outro decidiu calar todas as vozes. Sabia que se conseguisse calar tudo dentro de si seria silêncio. Nessa tarde calou-se para todo o sempre. Depois de um segundo de ruído intenso e brutal o silêncio reinou para toda a eternidade. 

domingo, 4 de dezembro de 2011

338

DEIXAI TODA ESPERANÇA, VÓS QUE ENTRAIS EM TERRAS DE TORGA

"Quando eu me encontrava na metade do caminho da nossa vida, me vi perdido em uma selva escura, e a minha vida não mais seguia o caminho certo.” (Dante)

E foi nas margens de Estige que os vislumbrei pela primeira vez, filhos da prodigalidade.

Rio agora desses seres que esgravatam a terra à procura de Fortuna, pois não foram ainda capazes de compreender que ela gira autónoma e egoísta, e que apenas lhe resta a amargura de comer o pó eterno.

Não me sinto infeliz de nunca ter conhecidos essas sombras que sei habitarem a minha dimensão, alegro-me de nunca me ter juntado a elas.

Conheço bem as tentações tentaculares do sétimo canto, e apesar de por elas ter sido tocada, alegro- mede nunca as ter abraçado.

Carote avisou-me no inicio da minha jornada por terras de Torga que os bichos dominantes eram fuinhas. Mas eu não lido com os dominantes, lido com as suas crias alienadas. Alienadas por um poder que não lhes pertence, alimentadas pelo brilho e que como corvos voam em volta destes tristes e eternos comedores de pó.

A montanha esconde o que o sol não vê ao deitar-se, e aqueles que acham que o leito e os seus pertences representam a salvação, desenganem-se, pois na cama de Apolo dormita Beliel.

O sol nasce sempre do nosso lado, e assim seguimos por um caminho árduo e silvestre. Não vós aconselho a visitar hospitais, nem igrejas, visitai antes o vosso templo de Psique, reencontrai o equilíbrio Philia.


sábado, 3 de dezembro de 2011

337

A sala de paredes brancas está repleta de estantes com livros. Lombadas diferentes de muitas cores e tamanhos, línguas diversas em tantas páginas. Livros que já foram abertos tantas vezes e por tantas pessoas e livros ainda virgens com páginas que nunca viram pessoas e que nunca sentiram o suor dos dedos de alguém. As paredes prolongam-se nas histórias que os livros contêm, alongam-se em tempos que já deixaram de existir. Naquele quarto acabam por fugir pela enorme janela que serve de sol às palavras e às ideias que por ali pairam livremente. Nem todos os dias o quarto é habitado por corpos humanos mas todos os dias há vida seja pelos raios de sol que penetram cada canto deixando inspiração entranhada que mais tarde cantará ao ouvido de um qualquer criador. Aliás não será um qualquer mas o criador, não o do C mas um singular criador.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

336

Sinto-me, renascida. Nunca tive muito jeito com palavras, sempre fui menina de imagens. E neste momento gostava tanto de te conseguir mostrar o que se passou em mim. Saí do mundo de Hades onde bebia do rio Aqueronte, levada pela mão, não por Bel mas por ti.

Encontrava-me encarcerada no mundo das sombras, reconfortada no calor da minha dor e da minha raiva. Que situação estúpida e idiota. Como deixei eu que a tua luz se ensombrasse?

Tu és a minha força. Foste tu que revivas-te os meus sonhos, és tu que me dás a segurança e a certeza de seguir em frente em todas as minhas lutas. Posso-te gritar mil vezes que me aguento sem ti, mas conseguirei eu aguentar?

Olhando para trás recordo os meus sonhos de criança e a força, que ontem, com o tempo e com a consciencialização do mundo se foi degradando e caindo aos pedaços.

Onde existiu um “castelo” de convicções, resistiam apenas fragmentos de um quadro de miúda de um mundo colorido. Foi ao encontra-te que de novo vi coelhos brancos e reencontrei o país das maravilhas.

E de novo esse mundo me escapava. Existem tantos fantasmas no meu castelo que deixei que eles me tomassem. Acredito em ti, acredito no nosso amor.

Porque cada vez que se me vens a memória o meu coração aquece e um vórtice de cores intensifica a minha visão. Aprendi tanto contigo nestes últimos tempo, deste-me tanta força e fizeste me acreditar que é possível, que não há causas perdidas (só quando desistimos delas).

Tudo isto a somar ao novo mundo que a tua existência me trás e ao teu doce abraço ilumina o que sou, o que sinto, e as distancias entre mim deixam de ser abismos. E tudo se reúne numa perfeita equação de amor psiquê. Estou ansiosa que chegues para te abraçar e te mostrar que já sei abraçar!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

335


São duas pessoas numa mesa. Uma mesa que não é muito grande mas que ocupam verdadeiramente. Entre dois jornais abertos, umas chávenas de café, maços de tabaco e uns blocos de apontamentos, sobra algum espaço para pousarem os seus braços. À primeira vista será muito difícil perceber a relação entre aquelas duas pessoas. Talvez namorados, talvez amigos?
Não será preciso ser grande génio ou entendido em questões de relacionamentos para se perceber que aquele par também não sabe muito bem o que é. Ela gosta dele, isso parece bastante claro. A sua postura, forma de estar, a forma como interage com ele e com as pessoas que dele se aproximam tudo a denuncia para toda a gente menos para ele. Ele desatento, talvez distraído ou talvez demasiado absorto na sua vida dificilmente consegue perceber o que o rodeia no quotidiano. Ele talvez se tenha acomodado ao facto de ela ser uma amiga – a Amiga. Para ele ela é como um daqueles tipos com quem costuma ver o futebol e costuma sair à noite para ir beber uns copos, aliás ela também faz isso com eles… certo ela é um pouco mais do que todos os outros, dá-lhe mais atenção e é muito mais carinhosa mas ela é uma mulher e é a sua melhor amiga. Nunca lhe passou pela cabeça outra qualquer situação de relacionamento com ela.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

333

Todos os dias na mesma mesa, todos os dias o mesmo pedido e todos os dias a mesma cara entre o mal disposto e o desconfiado. Todos os dias a mesma gorjeta de umas moeditas sujas e gastas e todos os dias, o mesmo tossicar antes de pedir a conta, a conta que é igual todos os dias e que já não devia ser assim tão necessária. Todos os dias, aquele olhar demasiado concentrado mas tão frio e tão morto, sobre o resto das pessoas do café como se estivessem a conspirar nas suas costas. Todos os dias, mesmo todos sem excepção, porque este café nunca fecha. Sempre à mesma hora mais certo que o próprio relógio do café – entrada triunfante de semblante pesado, olhar cansado como se aquele espaço já não mais lhe agradasse, mas todos os dias regressava como se tratasse de uma obrigação que tinha de cumprir sentenciosamente.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

332


Sempre estive aqui aprisionado no teu calor, no teu frio, fustigaste-me com a tua chuva e poucas vezes quisestes saber de mim. Agora que te tenho de deixar para trás, olho pelo vidro embaciado do carro e vejo-te triste numa despedida que nunca teve o seu tempo. As despedidas são sempre assim sem tempo e com muitas demoras, bem sei. O barulho do motor tenta fazer esquecer-me os teus sons… cidade minha. Não é pela chuva que vai caindo de encontro à janela e que se poderia confundir com as minhas lágrimas, não é pela humidade no ar que só me faz sentir mais só ainda. Para onde me levam? Porque deixo eu que me levem? Não percebo a inércia destes dias que me deixam estático perante a vida que se desenrola à minha frente.

domingo, 27 de novembro de 2011

331

Da janela a vista é todo mundo mas de uma modéstia envergonhada como se dali para a frente nada existisse, uma espécie de parede decorada, pintada de minuto em minuto, um cenário infinito. Para completar o espaço uma secretária antiga e pesada, marcada pelo tempo e pela dureza das palavras que por ali já passaram. Odores, suores de noites mal passadas, lágrimas de páginas mal conseguidas, corpos entrelaçados em gestos de amor na busca de inspiração. Palavras que ficaram caladas nas bocas que não se souberam abrir na altura certa e paixões que esmoreceram em palavras.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

326

Fecha os olhos. 
Fechas os olhos e só por breves momentos imagina uma cor. Essa mesma, essa em que está a pensar, a que traz a serenidade de um pensamento que te leva de volta para o ninho. Esquece o vento lá fora. Esquece o barulho que faz nas janelas. Aninha-te e sorri.
Hoje, esta noite... podia ter sido a última!

sábado, 19 de novembro de 2011

323

Encontrei um coração perdido numa lixeira desta cidade. Enferrujado pela água e sal das lágrimas, pouco havia para fazer com ele. Encontrei um coração que decidi recuperar.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

321

Tenho mais medo das palavras do que do gesto por si só.
Temo que te possa ferir com silêncios que não sei ocupar.
Tenho silêncios que nada querem dizer, não tem segundos sentidos... são só silêncios.
Pura ausência de palavra.
Tenho silêncios que são o meu canto, onde repouso a cabeça em busca de silêncio... só silêncio e nada mais.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

320

As coisa impossíveis em que acredito:

Que os meus gatos às vezes falam comigo, nem que seja para me insultar.
Nas fadas que durante a noite me estragam o cabelo, e nos mafarricos que me desarrumam a casa.
Que os brinquedos quando adormeço ganham vida.
Eu não perco coisas, é o "Saci" que mas esconde.
Que o homem nunca foi à lua e a terra é redonda.
Que a escuridão existe debaixo da minha cama e que à noite não posso espreitar pois olharia para o abismos e o abismo olharia para mim.
Que no jardim do meu vizinho vive um dragão.
Que o paraíso dos peixes é nos canos das sanitas, e o dos balões fica entre as nuvens.
Que o Elvis está vivo! Embora muito velhinho.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

319


Simplesmente porque sei onde podes estar, deixei de me procurar nas ruas desertas da cidade que não me conhece mas me viu nascer. Sou daqui, sempre fui daqui e depois de tudo que aqui me aconteceu preparava-me para me reconciliar com esta cidade. Sempre estive aqui aprisionado no teu calor, no teu frio, fustigaste-me com a tua chuva e poucas vezes quisestes saber de mim. Agora que te tenho de deixar para trás, olho pelo vidro embaciado do carro e vejo-te triste numa despedida que nunca teve o seu tempo. As despedidas são sempre assim sem tempo e com muitas demoras, bem sei. O barulho do motor tenta fazer esquecer-me os teus sons… cidade minha. Não é pela chuva que vai caindo de encontro à janela e que se poderia confundir com as minhas lágrimas, não é pela humidade no ar que só me faz sentir mais só ainda. Para onde me levam? Porque deixo eu que me levem? Não percebo a inércia destes dias que me deixam estático perante a vida que se desenrola à minha frente.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

318

Será o meu corpo um campo de batalha? Será ele terreno de invasões e guerras totais constantes? Eu não desejo que a guerra seja total, e neste sentido eu não autorizo que usem o meu corpo para contra-atacar. Se o corpo é meu, eu tenho uma palavra a dar. O meu corpo não é um campo de batalha.

domingo, 13 de novembro de 2011

317

As lágrimas que caem no chão diluem o pequeno rio de sangue que sei que não é o meu. Na queda vejo rostos conhecidos, também eles em queda – sorrisos perdidos em vidas que o deixaram de ser e se transformaram nas causas dos outros que não querem saber de nada das causas. Naquela noite podíamos ter sido tudo o que quiséssemos ser. Podias ter sido a Revolução de braços abertos a colher no teu regaço jovens militantes que em ti acreditavam cegamente ao ponto de se deixarem morrer no teu leito que em tanto é semelhante ao leito do desejo. Podias ter carregado nas tuas mãos todos os seus anseios e vontades. Podias tê-los viciados em ti, na luta que foste construindo com tantos e tantos homens e tantas e tantas mulheres, podiam ter sido mil milhões mas preferiste abrir os braços e com toda a tua magnânima plenitude em surdina e repentinamente deixaste-os cair ao longo do corpo. Ao ver-te agora já não te reconheço, já não te vejo de punho cerrado e erguido clamando frases e discursos que voavam com o vento e apanham todas as pessoas que te rodeavam.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

313

Quando escrevo o dia de amanhã prefiro escrever o meu sonho ao nada escrever onde quer que eu não sonhe o acaso sonhará por mim e eu viverei ao acaso.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

311

Lê e não tentes entender o que escrevo.
Lê só pelo sentido de compreender as palavras.
Não me perguntes nada.

domingo, 6 de novembro de 2011

310

Dói muito mais do que sou capaz de expressar. Os meus demónios riem-se de mim como mil violinos, os medos perfumam me o corpo. A armadura pesa, o elmo comprime-me as ideias. Pode doer, mas pelo menos estou armada.

sábado, 5 de novembro de 2011

309

A noite oferece-nos o manto negro, para nos vestir de sonhos quando despimos os pesadelos, estranhos sapatos que calçamos horas a fio, tece estrelas em redor dos nossos pés. Eu apanho do ar a tua solidão e rasgo-a, suponho que lhe possa dar nós e mais nós, trouxe comigo as minhas mãos, sim, enrola-se e nunca mais se há-de desenrolar.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

308

Sim mas,

quando a mentira é repetida ao infinito, ao ponto de se tornar uma verdade,

o sentido de liberdade é pouco.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

307

Fiz da tua pele páginas de papel onde escrevo as palavras que se perdem nos silêncios marcados pelo ponteiro do relógio. Tic-tac sem parar. Sem controlo, sem imposição, sem forma de fazer voltar atrás. As palavras tatuadas nas tuas costas, nos teus braços ardem de paixão. A dor da escrita é só uma pequena comichão acalmada pelo rasurar da caneta no papel.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

305

Não sou nada. Absolutamente nada. Nada resta de mim e não sirvo de nada. Vivo a vida itermitente como uma lâmpada preste a fundir. Não sei onde é que fica o meu estado de ebolição, não me deixam ferver. Preso pela garganta nas palavras que não consigo gritar.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

304

Sussuras-me ao ouvido a infinidade do que és. Tentas convencer o mundo e a ti, que o percurso que caminhas é o percurso destinado por uma natureza maior, mais complexa que nós. Agarras-te à humanidade, ao corpo, à carne, ao sangue, para encontrares uma justificação que seja tanto para ti, como para os outros, natural e válida. Buscas uma verdade sem entender que toda a verdade é uma mentira. Nada é natural, tudo se constrói.

sábado, 22 de outubro de 2011

295

Nascemos todos os dias para aquilo que nos rodeia. Uma planta que hoje está ali e ontem não estava. Uma pequena mutação diária do nosso corpo. Barba, cabelos e pelos que crescem, pele que morre. Todos os dias uma pequena mudança, todos os dias um pequeno verso. Poesia do dia-a-dia em modo contínuo. Música que não pára de soar nas cabeças. Vontade muita vontade de enterrar mais um dia e ver o que o amanhã traz nas gotas de orvalho para me refrescar.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

293

Quando a voz morrer, as palavras não forem mais escritas e o que sobre de mim se tornar em pó, essa poeira espalhada pelos ares fará as viagens que o corpo não chegou a fazer. Sobre o silêncio que não tem fim haverá as palavras entre nós, as proferidas e as não ditas. Sobre a história haverá estórias que um velho contará e que uma criança repetirá mais tarde. Sobre nós e sobre aquilo somos e fazemos dirás a verdade: conheci-te. Uma sensação de alegria e prazer de quem soube dizer ao mundo - eu estive aqui!

terça-feira, 18 de outubro de 2011

291

Adormeço nos versos que canto para uma folha de papel em branco. Durante o sono enquanto sou empurrado de sonho em sonho, pela vontade de um inconsciente que procura uma realidade onde se possa inspirar, o dia, os dias retornam. Salto de cenário em cenário sem saber me encontrar. Adormeço dentro do sonho e a folha já lá não está. Desespero, tenho vontade de escrever... tenho palavras para te dizer e não te encontro. Concentro-me no desejo de uma folha branca. A carícia de uma caneta sobre as suas fibras, o toque sereno que rapidamente se agita. Sou eu em ti. O meu corpo sobre o teu. O doce sabor da tua tinta. Exaustão de palavras e letras a correrem como se estivessem em fuga. Uma porta. Rápido! Uma porta que as segure. A música de fundo... a música que não é daqui. Acordar. Sobressalto em respiração ofegante, a corrida que agora parece minha. Em olhar rápido descubro-te. Sobre a mesa a folha e a caneta repousam lado a lado, serenas.

domingo, 16 de outubro de 2011

289

Existes. Onde eu sou mais fraco, onde a dor mais me corrói. Existes. Não desapareces, és, simplesmente como só tu sabes ser. Existes. No mais frágil da minha existência, nas partes do meu corpo que nem eu sabia que não conseguia controlar. Existes. Sorris. Desmentes o meu mundo construindo novaS realidades. Olhas-me cegando-me. Beijas-me matando-me.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

287

A tristeza das ruas molhadas em dias cinzentos de inverno encharca os olhos de quem passa. Uma poça de água reflecte um eu que não reconheço. Essa tristeza das ruas, das casas abandonadas encharca-me a mim também. Contagia-me. Sei que estás de partida assim como esta chuva fora de estação. És um fruto do verão e sei que o outono te levará para longe. Matas a sede em dias quentes mas não sabes viver com chuva. Se te chamas assim não tentes passar por outra pessoa e quando a saudade vier escreverei sobre ela. Quando a dor vier escreverei sobre nós e quando o amor vier, apenas farei silêncio cobrindo os teus lábios com um beijo.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

285

Sonhar em ti. A transformação de um corpo em sentidos. Toco-te levemente, sinto partes da tua pele. Escrevo os nossos nomes no que resta do calor apaixonado de uma madrugada que começa agora a florescer. A noite já esqueceu quem somos. Amanhã voltamos a ser quem fomos. Amantes de corpos abandonados numa cama que não sabe quem somos.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

283

Observo na noite negra a viagem que não planeei pela folha de papel branco pousada sobre a mesa. Ao longe o som do mar que embate com força nas rochas. Nos meus ouvidos o som do fundo de mar que embate com igual força nas minhas ideias. O nevoeiro infestado de solidões alheias sussurra nos meus ouvidos palavras que devo escrever e não esquecer. A mulher em forma de miragem ordena que não a ame. O coração tem formas e força de uma caixa negra de avião - não me deixa esquecer-te, não me deixa apagar-te.

domingo, 9 de outubro de 2011

282

Todo o processo que resulta na condição a que podemos chamar de paixão, contempla duas fases.
A vil e instantânea, resultado de uma projecção idealizada, e a crescente e inútil resultado da construção da primeira. Esta última, apesar de ser a mais duradoura é também a que menos trás à alma, e à arte. É vazia de sofrimento, sendo portanto inútil na criação perene e imortal do interior. A primeira por seu lado, infame e vazia de partilhas, é cultivada na auto-imaginação sendo portanto prejudicada pela segunda, e resultando na incapacidade de projectar a paixão no papel.
O recalcamento da segunda fase é a inteligência do artista. A vulgaridade da construção é vazia de detalhes de dor, sendo portanto inútil na criação. A construção segura, premeditada destrói a estética da dor, que deve ser experimentada e apreciada. Qualquer arte deverá ser cultivada na primeira fase.

sábado, 8 de outubro de 2011

281

Vivo nesse corredor de tempo onde nunca se sabe o que está ao fundo. A luz que lá devia estar, no fundo, já alguém desligou. Descontento-me com a companhia da escuridão e encontro na solidão uma réstia de força que me faz continuar a caminhar pelo corredor fora. Pelo caminho pequenas pedras marcam o caminho nos meus pés. Pessoas são coisa que desconheço desde muito tempo atrás. Quem? Não me lembro, não sei quem foi a última pessoa...

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

280

Quando puderes, ser puderes, tira as tuas mãos da minha garganta. Que elas impedem-me de encher os pulmões com ar para te gritar, Basta!

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

279

Sobre a mesa um cigarro pousado. Espera que eu o acenda desde que aqui me sentei. Entre a angústia de hora que não chega para me trazer certezas que não tenho a certeza de querer conhecer e o quotidiano fácil, ele continua ali pousado. O ritual pode começar a qualquer momento. Isqueiro, cinzeiro e cigarro todos lado a lado. A teimosia do nervosismo insiste para que não o faça apesar da vontade. Permanecer no estado de alerta, sem descontracção até que chegue o momento. A cada toque do telemóvel, a cada breve sinal de que algo possa acontecer a respiração pára. A hora que não chega. Sinto-me um condenado à morte no caminho do corredor. Já sei que acabará por aqui só resta saber quando.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

278

Numa rua que sabe todos os nomes, não passas despercebida. Numa rua que conhece todos os passos, todos os sons, os hábitos e costumes despertam os sentidos. Adormecido por tanto tempo o acordar não é sereno. Acordar depois de tudo e não sentir o corpo, não saber onde me encontro. Reconhecer a rua e não saber onde ela acaba. Uma sensação de vazio, uma rua sem nome e uma pessoa com tantos nomes.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

277

Queimam as palavras que seguras gentilmente entre os dedos. Ardem enquanto te preparas para me atingir com elas. Tento prender-te pelos cabelos às nuvens passageiras do nosso amor. Canto poemas que ainda não escrevi e que talvez não chegue a ter sangue suficiente para os escrever. Sou em ti como uma ilha perdida no oceano. És casa perdida na paisagem. Espreito-te em procura de uma luz, calor, um abraço que me tire da noite escura e fria.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

domingo, 2 de outubro de 2011

275

Deitei a cabeça sobre uma fotografia pousada na mesa. Procurava encontrar o tempo nela contido. Falhei. Falhei demasiadas vezes nesse tempo, continuo a falhar neste tempo. Continuo a falhar até mesmo para encontrar esse tempo. Onde se escondem as coisas que o tempo nos leva. Onde se guarda a memória. Onde estão os dias felizes que tardam em voltar. Onde estão as tardes de sol brando a queimar pele dos amantes regularmente sentados em esplanadas e jardins amando o sentimento de amar. Onde estou eu agora quando escrevo estas palavras. Tento penetrar a realidade da fotografia, quero voltar, quero viajar no tempo até lá e voltar a fazer tudo igual. Errar de novo, viver de novo e esquecer que viajei no tempo. Diz o povo que o que não tem remédio remediado está. Seja! Só quero voltar, só quero ver-te mais uma vez. Quero errar contigo. Quero ser errante contigo.

sábado, 1 de outubro de 2011

274

Afio a língua, mudo as cordas à viola. O tempo é marcado pelos passos da multidão em marcha. Uma multidão que marcha sobre cadáveres antigos. As carruagens amontoam-se, sem ordem nem classe. O choque é inevitável na hora da partida, uns sonham caminhar e cantar, seguir a canção, outros sabem que pensar não é fazer, e não esperam acontecer.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

273


Já não há histórias de espelhos que nos fazem viajar. As Alices desapareçam para sempre no fundo de outros espelhos. As saídas já não são verdadeiras saídas e as portas não são de confiança. Tentamos, hesitamos. Entramos e saímos, escorregamos e caímos. Saltamos e corremos, choramos e às vezes desesperamos.
Já não princesas em castelos nem cavaleiros para as salvar. Já não tempos encantados nem amores perfeitos. Todos os dias há um castelo de cartas que cai aos meus e que todos os dias tento reconstruir. As forças perdem-se e os suspiros são ventos brutais que me afastam cada vez mais.
Já não há espelhos para nos levar em viagens mágicas... Do outro lado do espelho há uma porta que diz saída, dou outro lado da porta há uma placa que diz o teu nome. Do outro lado do teu nome há letras que dizem amar.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

271


Com os olhos fechados consegui sentir no vento a doçura dos teus lábios, lembro-me do vermelho que ainda hoje me faz arder o coração. Numa manhã como outra qualquer o teu corpo tinha-se transformado em gotas de chuva a escorrerem na janela. O teu cheiro espalhado em flores diversas por um pássaro matutino que canta as tuas palavras. Sei que quando o sonho parar só a tua ausência me ocupará as horas longas destes dias cinzentos. Vejo-te melhor quando olho para dentro mas tenho medo porque encontro saudade e incerteza. Sei que o tempo não pára e o coração não pára de bater, sei que o vento não vai parar de te trazer sempre que me bater nas lágrimas.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

269

Trago no bolso palavras para te entregar. Não estão esquecidas nem escondidas, somente têm medo de te encontrar. Trago palavras embrulhadas em papel para te oferecer como se fossem caramelos. São palavras doces para saboreares. Trago palavras que se escrevem com lágrimas que não se chegam a chorar. Trago desabafos calados no bolso abafados pela confusão dos dias. Trago palavras que são segredos à espera de verem a luz do dia - esperam por ti, pelos teus olhos.

sábado, 24 de setembro de 2011

267


Queria... descansar uma noite só. Não pedi para procurar o que não sei encontrar. Não pedi para as noites serem o dobro dos dias. Dispenso as horas que não sei como gastar. Ouvir a noite tão imensa enquanto se escrevem os versos mais tristes. Voltar a aprender as mesmas palavras de sempre. Sou uma casa desabitada com vidros partidos. Não queiram subir as escadas. Não queiram saber quem sou...

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

265

Recortada na frente de uma porta como recortado num peito. Foi numa manhã de um dia qualquer, a uma hora qualquer. Era todos os dias a todas as horas. As tuas palavras eram tesouras cuidadosas, os teus lábios iam roubando lentamente suspiros do meu coração. Hoje resta apenas um espaço vazio de onde se vê uma casa vazia mergulhada na escuridão

terça-feira, 20 de setembro de 2011

263


Chuva temporal. Tempo terminal. Monstros na cabeça e macaquinhos no sótão. Cansaço no olhar e um sopro que me faz sempre acordar. Brisa de um beijo que tarda em chegar em troca de braços cheios de abraços.
Ao fechar do dia sempre a memória de um barco no porto, esquecido sem ninguém para navegar e tanto mar por conhecer.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

262

Até amanhã camarada
que a manhã não tarda,
e a nossa revolta vem tarde,
tarde demais.

Até já minha amiga
que a viagem é curta,
mas longo é o teu regresso,
longo demais.

Até já meu amor
que o coração não sente,
a distância é somente...
distância.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

258

Hoje foste longe de mais. Longe demais de ti.
E eu não sei como te dizer, não sei como me expressar neste fojo que te separa.
Talvez a distância seja o que te cobre, o que te conforta, e o que te permite estar perto, mas ao mesmo tempo, distante de ti.
Talvez estejas melhor na sua mentira, que na minha verdade.