sexta-feira, 30 de setembro de 2011

273


Já não há histórias de espelhos que nos fazem viajar. As Alices desapareçam para sempre no fundo de outros espelhos. As saídas já não são verdadeiras saídas e as portas não são de confiança. Tentamos, hesitamos. Entramos e saímos, escorregamos e caímos. Saltamos e corremos, choramos e às vezes desesperamos.
Já não princesas em castelos nem cavaleiros para as salvar. Já não tempos encantados nem amores perfeitos. Todos os dias há um castelo de cartas que cai aos meus e que todos os dias tento reconstruir. As forças perdem-se e os suspiros são ventos brutais que me afastam cada vez mais.
Já não há espelhos para nos levar em viagens mágicas... Do outro lado do espelho há uma porta que diz saída, dou outro lado da porta há uma placa que diz o teu nome. Do outro lado do teu nome há letras que dizem amar.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

271


Com os olhos fechados consegui sentir no vento a doçura dos teus lábios, lembro-me do vermelho que ainda hoje me faz arder o coração. Numa manhã como outra qualquer o teu corpo tinha-se transformado em gotas de chuva a escorrerem na janela. O teu cheiro espalhado em flores diversas por um pássaro matutino que canta as tuas palavras. Sei que quando o sonho parar só a tua ausência me ocupará as horas longas destes dias cinzentos. Vejo-te melhor quando olho para dentro mas tenho medo porque encontro saudade e incerteza. Sei que o tempo não pára e o coração não pára de bater, sei que o vento não vai parar de te trazer sempre que me bater nas lágrimas.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

269

Trago no bolso palavras para te entregar. Não estão esquecidas nem escondidas, somente têm medo de te encontrar. Trago palavras embrulhadas em papel para te oferecer como se fossem caramelos. São palavras doces para saboreares. Trago palavras que se escrevem com lágrimas que não se chegam a chorar. Trago desabafos calados no bolso abafados pela confusão dos dias. Trago palavras que são segredos à espera de verem a luz do dia - esperam por ti, pelos teus olhos.

sábado, 24 de setembro de 2011

267


Queria... descansar uma noite só. Não pedi para procurar o que não sei encontrar. Não pedi para as noites serem o dobro dos dias. Dispenso as horas que não sei como gastar. Ouvir a noite tão imensa enquanto se escrevem os versos mais tristes. Voltar a aprender as mesmas palavras de sempre. Sou uma casa desabitada com vidros partidos. Não queiram subir as escadas. Não queiram saber quem sou...

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

265

Recortada na frente de uma porta como recortado num peito. Foi numa manhã de um dia qualquer, a uma hora qualquer. Era todos os dias a todas as horas. As tuas palavras eram tesouras cuidadosas, os teus lábios iam roubando lentamente suspiros do meu coração. Hoje resta apenas um espaço vazio de onde se vê uma casa vazia mergulhada na escuridão

terça-feira, 20 de setembro de 2011

263


Chuva temporal. Tempo terminal. Monstros na cabeça e macaquinhos no sótão. Cansaço no olhar e um sopro que me faz sempre acordar. Brisa de um beijo que tarda em chegar em troca de braços cheios de abraços.
Ao fechar do dia sempre a memória de um barco no porto, esquecido sem ninguém para navegar e tanto mar por conhecer.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

262

Até amanhã camarada
que a manhã não tarda,
e a nossa revolta vem tarde,
tarde demais.

Até já minha amiga
que a viagem é curta,
mas longo é o teu regresso,
longo demais.

Até já meu amor
que o coração não sente,
a distância é somente...
distância.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

258

Hoje foste longe de mais. Longe demais de ti.
E eu não sei como te dizer, não sei como me expressar neste fojo que te separa.
Talvez a distância seja o que te cobre, o que te conforta, e o que te permite estar perto, mas ao mesmo tempo, distante de ti.
Talvez estejas melhor na sua mentira, que na minha verdade.

sábado, 10 de setembro de 2011

253


Ela não me vê se eu não lhe falar, ela não me responde. O teu olhar é uma venda, a cova entre o teu ombro e o teu pescoço é uma mordaça, não digo nada, nunca mais digo nada, só o teu nome. Um ritmo, o único ritmo, o único tic-tac, é uma redoma, é o estremecer de tudo teu em tudo meu.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

252

Quero-te contar, que hoje acordei naquele espaço repleto da tua ausência. As tuas soltas palavras ganham corpo naquele almanaque que tu esqueceste. A única lembrança residual de ti é isso e pó. O pó que cobre a memória de nós, e que um dia a irá enterrar.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

251

Quero sentir-me um pouco assim, dono de nada, sozinho no mundo, dentro de mim só uma casa sem paredes, vítima da fome e de frio. Quando voltar a mim, como sou agora, quero saber o que ganhei e o que perdi. Em breve. Voltarei para te contar.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

terça-feira, 6 de setembro de 2011

249


Tento acalmar todas estas vozes diferentes que falam dentro da minha cabeça. Tento esquecer os cheiros roubados ocasionalmente em relances de ti. As vozes falam de meses impacientes, do presente e de qualquer coisa que nunca se percebe se é passado ou futuro. Os instantes ganham forma de eternidade, crescem da agonia do meu peito e esquecem os momentos eternos de memória registados como perfeitos. Devoro cada promessa em que me comprometo. Guardo as palavras nos ninhos das madrugadas, onde escondo as carícias que ficam por entregar. Ficam guardadas à espera de uma cobrança de ilusão perfeita.

domingo, 4 de setembro de 2011

247


São lábios pedintes mendigando atenção para as palavras despejadas em torrentes de imaginação. Sede das ideias que secam no deserto que nos cerca. Sempre um gesto a mais, uma palavra que fica esquecida na cortina dos teus cabelos, tão perto dos teus ouvidos. Mais um capítulo nesta história sem fim aparente. Sobrevivemos à travessia para voltar a morrer novamente, mais uma vez tão perto de matar a sede. Lá longe onde o mar não nos afoga, onde os espelhos são portas e onde a coragem não nos falta. Uma morada eterna onde o tempo não se inquieta.

sábado, 3 de setembro de 2011

246

Hoje, para se ser, é preciso pensar em seis coisas impossíveis antes do pequeno-almoço. Acreditar que os dragões existem, que os gatos falam e se organizam para cantarem juntos durante as noites quentes de Verão. É acreditar que os medos se podem guardar debaixo da cama e os aviões podem ser estrelas cadentes. Que ser amolador é a profissão mais antiga do mundo, e que o mundo é como nos o imaginamos, verde é o mar. E isto não é loucura, porque a loucura só vem para a hora do chá.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

245

É como perder o caminho todos os dias. Entro naquela estrada preparado para chegar ao fim. Deixar a casa do conforto para trás. Esquecer o calor do abraço e os aromas de uma pele acabada de lavrar com caricias. Passado o portão tudo parece fácil, nem sequer a vontade de olhar para trás... mas a estrada não tem fim, ando e ando, corro. Acelero e desacelero e nada, só nada. Cansado, olho para trás pela primeira vez. Já é noite. A luz acesa na janela ainda é visível, está sempre lá por muito que me tente afastar. No fim volto para a partida, volto sempre. São saudades e impossíveis que não sei como largar. É como estar perdido, todos os dias.