terça-feira, 30 de agosto de 2011

242

E é de todas essas parede que eu fujo, dessas altas muralhas cinzentas que envolvem esta nossa cidade. Recuo nos teus passos como em outros tempos segui o fio de Ariadne. Procuro encontrar uma saída desta doença imaginária que me atormenta o ego, a mente e a alma. Mas não há saída nesta cidade para além da eterna luz. Paro para deixar o fumo de nepente me envolver na hedionda esperança de afastar de mim, e da cidade, a negra sombra da tua ausência. Quero apagar o fétido horror das silabas escritas no labirinto do que sou, e do que sinto. No fim, a ausência do teu nome é uma dor morfina, quando comparada à verdade de te ter.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

241

Procuro-te numa cidade submersa em nevoeiro, nos recantos das ruas escuras que se estreitam quando espreito para te procura. Procuro-te enquanto o asfalto molhado encobre os teus passos. Sei que estiveste ali, sinto-te na cidade como a chuva na minha pele. Lembro-me dos teus cabelos húmidos, do teu calor em dias frios. Lembro-me que deveria esquecer-te. Lembro-me que já não sei quem és ou onde estás. A cidade tem o teu nome escrito em todas as paredes.

sábado, 27 de agosto de 2011

239


Sei que estás longe mas sinto-te como estivesses ao meu lado. O teu perfume entranha-se no meu olfacto e sei que sou incapaz de te tirar de mim. Gostava de poder entregar-te as mais belas palavras directamente nos lábios. Rechear o paladar de doces sinónimos de palavras que sei que não te direi de outra forma. Talvez nunca as diga, talvez se tornem mudas na cave do meu coração. Desesperado por um bater de asas que solte as palavras que ficam estendidas no chão. São como folhas de outono que se deixam cair no vazio do destino desconhecido.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

238

Procuro atentamente encontrar um traço íntimo no reflexo do meu espelho. Do outro lado apenas uma cegueira de formas é reflectida sobre a pálida imagem. Os sinos da assembleia sublime tocam frenéticos ao fundo, no chamamento diário para o ritual da carneirização. A matança da autodeterminação tem mais uma vez lugar. Não entro, recuso-me a entrar. Fito novamente o espelho teimoso que hoje se recusa a reflectir. A agnosia de formas é agora obtéctea. A acridez do meu pensamento responde descortesmente ao espelho, És uma falsa mentira.

Tudo é ficção, até os remorsos.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

237


Como serias bela na escuridão da noite envolta nas telas da trevas caminhando no infinito. Um bosque no meu quarto habitado por pequenas criaturas que por mim passam lentamente embalando o meu sono em cantos do fundo do oceano. Surges agora perante mim. Dás-me a mão mas não me salvas. A melancolia mudou. Pintas o céu da manhã com cores que só tu conheces. Entregas-me à fatal brisa do teu beijo e deixas que caia no mais profundo recanto de ti. És o coração vicioso que me inquieta em prazeres clandestinos - és glória e desgraça, incomum rua para a chama de seu nome mulher.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

235


Nem sempre esperar é a melhor solução. Nem sempre aguardar que tudo seja perfeito... nunca será tudo perfeito. A vida é feita de dores e de pequenos nadas. A vida é feita de sim e de não, às vezes há talvez. Há palavras que não chegam para descrever o que sentimos. Há coisas que sentimos que não tem descrição. Quase nunca escolhemos quem amar. Chegar sem pedir licença, tocar delicadamente o teu rosto e fazer com que feches os olhos, segredar-te ao ouvido o amor, em palavras frescas.

domingo, 21 de agosto de 2011

233

Todas as noites sentado em frente de um espelho vejo um rosto que desaparece aos poucos. Fraccionado como se fosse um puzzle admito que a realidade me afasta do meu eu mas não sei como montar o enigma de novo. Sentado em frente ao espelho criam-se memórias de uma certeza brutal demais para o que se passa na realidade. A loucura está a um passo mas exactamente à mesma distância da sanidade total. Gostava de reflectir tanto como o espelho para que te visses quando me olhas e percebesses o teu sitio especial.

sábado, 20 de agosto de 2011

232

Toda a minha existência é uma marcha de compasso.

1,2 ; 1,2,3,4

1,2 ; 1,2,3,4

2,4 ; 2,4 acelera

2,4;2,4;2,4;2,4;1 1,2;1 1,2;1 1,2. falhou.


Segue....6,8

Hoje é dia de manifestação

6,8;6,8;6,8


Gentil plié ao ver a minha amada, mas

a marcha continua


6,8;6,8


Encontro-te à noite, mas em pasodoble

Allegro moderato il nostro amore.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

231

Às vezes o grito mais alto é o mais abafado. Às vezes a embriaguez dos dias não chega para nos afastar das lembranças que gostaríamos de não ter durante a noite. Às vezes ter uns pés frios à espera em casa é uma missão de um dia. O abraço que gostava que estivesse lá é ocupado por um vazio cheio de falsas vontades. O vento é terrível porque te traz sempre de volta mesmo quando estás de partida.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

229


As noites submersas em palavras tornam-se cada vez mais frias. Lá fora os dias cada vez mais curtos deixam-me mais tempo para pensar as coisas que não devia pensar. É mais comum o barulho da chuva nas janelas, é mais constante a tua não presença. Vão ficando as gravações na memória. Corpos que se esquecem um do outro deitados lado a lado numa cama partilhada por momentos. Abraços temporizados pelos eventos que rodeiam os corpos em movimento constante, talvez perpétuo. O tempo que os abraça, infinitos sem sentidos com medo de sentir. Disfarçados pela multiplicação de falsos amores com que se mostram para tudo o resto.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

227

Escondido à espera que me procures. Escondido desejando ser encontrado. O esconderijo é sempre o mesmo, o cenário nunca muda, como um sonho que se repete sempre que adormecemos. No fundo sempre a mesma música que se repete incessantemente. Cada vez que fecho os olhos as imagens repetem-se. Perseguem-me. Prefiro não contar, prefiro conter em mim. Preferia que me escolhesses. Preferia que contar-te. Preferia que preferisses o amor. Encontra-me. Escolhe-me.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

222

Quando amei uma mulher foi me dito que seria trágico. Que esse amor iria suportar um sofrimento tal, capaz de me fazer fugir da minha própria sombra.

Quando amei uma mulher disseram que eu estava doente. Que teria de me medicar, e que esse tratamento iria travar o meu desejo.

Quando amei uma mulher era para ser passageiro. Com a idade esse impulso acabaria por desaparecer.

Mas na verdade ninguém me disse nada, porque ninguém nunca soube. E esse amor tornou-se em todas as coisas que ninguém diz mas todos interiorizam. E eu interiorizei, e incorporei, a tragédia, a doença, e a passagem. Hoje, ainda hoje, eu amo essa mulher.

Mas ninguém sabe....

shiuuuuuu!




segunda-feira, 8 de agosto de 2011

220

Trago comigo a primeira pedra do meu castelo. Roubei-a de uma outra vida labirinto.

domingo, 7 de agosto de 2011

219


A neblina da noite traz mistérios dos corações despedaçados, daqueles que torturados durante o dia acabam por padecer e esmorecer caídos num canto desta cidade. A neblina esconde tantas coisas desta cidade. Os amores proibidos de jovens adolescentes, os amores infinitos e poderosos que num segundo parecem querer levar-nos para a morte e no outro segundo já são pó do passado. A neblina abafa os choros como uma almofada de um ser antes amado e agora sofrido. A neblina desta cidade é tão intensa e tão forte que o seu abraço nos sufoca. Porque há mil coisas para dizer e ao mesmo tempo não há nada para dizer, porque embora a voz se torne escassa para tanto que há a dizer. Não se explica, apenas se sente.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

217


Quando os relâmpagos da tempestade cessarem o sol atravessará o que resta de um homem agora invisível. Página a página, letra a letra na esperança que durante a noite os sonhos tenham entregue aromas de uma existência a alguém capaz de o receber. Não é do amor que me despeço. O vento sussurra às árvores a intenção de contar toda a verdade à cidade. Há páginas que são um erro e se devem rasgar, há outras que se rasgam sozinhas, mesmo quando não queremos.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

215


É o teu nome sussurrado pelo vento. O teu corpo que bate nas minhas janelas na ânsia de entrar. Busco o teu abraço na solidão fria de uma noite de quase inverno. Falta escrever o fim desta noite. Esqueço-me do teu sorriso poético, das tuas mãos em prosa, do teu beijo infinito escrito e repetido nas paredes da cidade. Encontro-te em todas as ruas e perco-me nas linhas do teu rosto. Atraso-me porque não sei se ainda tenho tempo para te chegar...

terça-feira, 2 de agosto de 2011

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

213

O corpo, lugar de alma solitária vê-se a si próprio. A mente febril faz com que se liberte e paire sobre si. As noites seguem-se uma após outra e a libertação da mente tarda em chegar. Aprisionado na insónia a realidade funde-se com o sonho que nunca existiu. Em breve o sol apagará os rastos de mais uma noite e na memória só o pó da existência tardia se um ser inexplicável.