terça-feira, 29 de novembro de 2011

333

Todos os dias na mesma mesa, todos os dias o mesmo pedido e todos os dias a mesma cara entre o mal disposto e o desconfiado. Todos os dias a mesma gorjeta de umas moeditas sujas e gastas e todos os dias, o mesmo tossicar antes de pedir a conta, a conta que é igual todos os dias e que já não devia ser assim tão necessária. Todos os dias, aquele olhar demasiado concentrado mas tão frio e tão morto, sobre o resto das pessoas do café como se estivessem a conspirar nas suas costas. Todos os dias, mesmo todos sem excepção, porque este café nunca fecha. Sempre à mesma hora mais certo que o próprio relógio do café – entrada triunfante de semblante pesado, olhar cansado como se aquele espaço já não mais lhe agradasse, mas todos os dias regressava como se tratasse de uma obrigação que tinha de cumprir sentenciosamente.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

332


Sempre estive aqui aprisionado no teu calor, no teu frio, fustigaste-me com a tua chuva e poucas vezes quisestes saber de mim. Agora que te tenho de deixar para trás, olho pelo vidro embaciado do carro e vejo-te triste numa despedida que nunca teve o seu tempo. As despedidas são sempre assim sem tempo e com muitas demoras, bem sei. O barulho do motor tenta fazer esquecer-me os teus sons… cidade minha. Não é pela chuva que vai caindo de encontro à janela e que se poderia confundir com as minhas lágrimas, não é pela humidade no ar que só me faz sentir mais só ainda. Para onde me levam? Porque deixo eu que me levem? Não percebo a inércia destes dias que me deixam estático perante a vida que se desenrola à minha frente.

domingo, 27 de novembro de 2011

331

Da janela a vista é todo mundo mas de uma modéstia envergonhada como se dali para a frente nada existisse, uma espécie de parede decorada, pintada de minuto em minuto, um cenário infinito. Para completar o espaço uma secretária antiga e pesada, marcada pelo tempo e pela dureza das palavras que por ali já passaram. Odores, suores de noites mal passadas, lágrimas de páginas mal conseguidas, corpos entrelaçados em gestos de amor na busca de inspiração. Palavras que ficaram caladas nas bocas que não se souberam abrir na altura certa e paixões que esmoreceram em palavras.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

326

Fecha os olhos. 
Fechas os olhos e só por breves momentos imagina uma cor. Essa mesma, essa em que está a pensar, a que traz a serenidade de um pensamento que te leva de volta para o ninho. Esquece o vento lá fora. Esquece o barulho que faz nas janelas. Aninha-te e sorri.
Hoje, esta noite... podia ter sido a última!

sábado, 19 de novembro de 2011

323

Encontrei um coração perdido numa lixeira desta cidade. Enferrujado pela água e sal das lágrimas, pouco havia para fazer com ele. Encontrei um coração que decidi recuperar.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

321

Tenho mais medo das palavras do que do gesto por si só.
Temo que te possa ferir com silêncios que não sei ocupar.
Tenho silêncios que nada querem dizer, não tem segundos sentidos... são só silêncios.
Pura ausência de palavra.
Tenho silêncios que são o meu canto, onde repouso a cabeça em busca de silêncio... só silêncio e nada mais.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

320

As coisa impossíveis em que acredito:

Que os meus gatos às vezes falam comigo, nem que seja para me insultar.
Nas fadas que durante a noite me estragam o cabelo, e nos mafarricos que me desarrumam a casa.
Que os brinquedos quando adormeço ganham vida.
Eu não perco coisas, é o "Saci" que mas esconde.
Que o homem nunca foi à lua e a terra é redonda.
Que a escuridão existe debaixo da minha cama e que à noite não posso espreitar pois olharia para o abismos e o abismo olharia para mim.
Que no jardim do meu vizinho vive um dragão.
Que o paraíso dos peixes é nos canos das sanitas, e o dos balões fica entre as nuvens.
Que o Elvis está vivo! Embora muito velhinho.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

319


Simplesmente porque sei onde podes estar, deixei de me procurar nas ruas desertas da cidade que não me conhece mas me viu nascer. Sou daqui, sempre fui daqui e depois de tudo que aqui me aconteceu preparava-me para me reconciliar com esta cidade. Sempre estive aqui aprisionado no teu calor, no teu frio, fustigaste-me com a tua chuva e poucas vezes quisestes saber de mim. Agora que te tenho de deixar para trás, olho pelo vidro embaciado do carro e vejo-te triste numa despedida que nunca teve o seu tempo. As despedidas são sempre assim sem tempo e com muitas demoras, bem sei. O barulho do motor tenta fazer esquecer-me os teus sons… cidade minha. Não é pela chuva que vai caindo de encontro à janela e que se poderia confundir com as minhas lágrimas, não é pela humidade no ar que só me faz sentir mais só ainda. Para onde me levam? Porque deixo eu que me levem? Não percebo a inércia destes dias que me deixam estático perante a vida que se desenrola à minha frente.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

318

Será o meu corpo um campo de batalha? Será ele terreno de invasões e guerras totais constantes? Eu não desejo que a guerra seja total, e neste sentido eu não autorizo que usem o meu corpo para contra-atacar. Se o corpo é meu, eu tenho uma palavra a dar. O meu corpo não é um campo de batalha.

domingo, 13 de novembro de 2011

317

As lágrimas que caem no chão diluem o pequeno rio de sangue que sei que não é o meu. Na queda vejo rostos conhecidos, também eles em queda – sorrisos perdidos em vidas que o deixaram de ser e se transformaram nas causas dos outros que não querem saber de nada das causas. Naquela noite podíamos ter sido tudo o que quiséssemos ser. Podias ter sido a Revolução de braços abertos a colher no teu regaço jovens militantes que em ti acreditavam cegamente ao ponto de se deixarem morrer no teu leito que em tanto é semelhante ao leito do desejo. Podias ter carregado nas tuas mãos todos os seus anseios e vontades. Podias tê-los viciados em ti, na luta que foste construindo com tantos e tantos homens e tantas e tantas mulheres, podiam ter sido mil milhões mas preferiste abrir os braços e com toda a tua magnânima plenitude em surdina e repentinamente deixaste-os cair ao longo do corpo. Ao ver-te agora já não te reconheço, já não te vejo de punho cerrado e erguido clamando frases e discursos que voavam com o vento e apanham todas as pessoas que te rodeavam.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

313

Quando escrevo o dia de amanhã prefiro escrever o meu sonho ao nada escrever onde quer que eu não sonhe o acaso sonhará por mim e eu viverei ao acaso.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

311

Lê e não tentes entender o que escrevo.
Lê só pelo sentido de compreender as palavras.
Não me perguntes nada.

domingo, 6 de novembro de 2011

310

Dói muito mais do que sou capaz de expressar. Os meus demónios riem-se de mim como mil violinos, os medos perfumam me o corpo. A armadura pesa, o elmo comprime-me as ideias. Pode doer, mas pelo menos estou armada.

sábado, 5 de novembro de 2011

309

A noite oferece-nos o manto negro, para nos vestir de sonhos quando despimos os pesadelos, estranhos sapatos que calçamos horas a fio, tece estrelas em redor dos nossos pés. Eu apanho do ar a tua solidão e rasgo-a, suponho que lhe possa dar nós e mais nós, trouxe comigo as minhas mãos, sim, enrola-se e nunca mais se há-de desenrolar.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

308

Sim mas,

quando a mentira é repetida ao infinito, ao ponto de se tornar uma verdade,

o sentido de liberdade é pouco.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

307

Fiz da tua pele páginas de papel onde escrevo as palavras que se perdem nos silêncios marcados pelo ponteiro do relógio. Tic-tac sem parar. Sem controlo, sem imposição, sem forma de fazer voltar atrás. As palavras tatuadas nas tuas costas, nos teus braços ardem de paixão. A dor da escrita é só uma pequena comichão acalmada pelo rasurar da caneta no papel.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

305

Não sou nada. Absolutamente nada. Nada resta de mim e não sirvo de nada. Vivo a vida itermitente como uma lâmpada preste a fundir. Não sei onde é que fica o meu estado de ebolição, não me deixam ferver. Preso pela garganta nas palavras que não consigo gritar.