segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

31

As palavras em greve amontoadas num canto de uma folha, combinam uma estratégia para se desalinharem e escreverem algo com sentido de revolta. Falta ali qualquer coisa. Está a vontade, o desejo e até a liberdade. Há letras em forma de gritos a ecoar pelas linhas. Começam agora a marchar com outras letras em forma de slogan. Continua a faltar qualquer coisa. Um A perdido do seu M e numas linhas mais abaixo um R caminha com o seu O - desencontrados, não percebem o sentido da vida na totalidade.

sábado, 29 de janeiro de 2011

29

Tenho medo dos monstros que vivem nas perguntas. Tenho medo dos monstros aos quais não consigo desviar os olhos. Não adianta esconder-me debaixo da capa da realidade. Não sei onde deixei o lençol do amor. Tenho mais medo dos monstros que vivem dentro de mim, que tento esconder mas que estão sempre lá e não me deixam sorrir. Quem sabe um dia não troco o medo pela ilusão.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

26

Estou à porta, E só assim, levemente, às vezes até parece que com a mistura dos cheiros se sente uma brisa que desabrocha. Eu diria que existe uma esperança não fosse este o maior de todos os males, o pior de todos os sentimentos, aquele "desenvergonhado" que ficou escondido no fundo para nos iludir constantemente e nos enganar a cada segundo, E a brisa que desabrocha à porta não passa do cheiro morfo-formol dos cravos erguidos por cadáveres vivos sobre o chão que afinal não é redondo. Viajamos em navios fantasma e sobre os seus cadáveres lutamos, para nós mesmo nos tornarmos cadáveres vivos. Tombaremos sem vitória enquanto essa elite sombra constrói escadas para o cimo. Mas o que fazem aqueles que acordam neste pesadelo continuar? não é esperança, não é força, nem é utopia, mas um mau pressentimento!

domingo, 23 de janeiro de 2011

23

No romper do crepúsculo os corpos amanhecem, figurando a apetecível consolação que brota da sua decadência moral. Os aromas misturam-se e os olhos resvalam para a indiferença dos sentimentos.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

21

Ainda vagueia no meu olhar a imagem de um momento perto do feliz. Imagino as cores que pode ter a nossa realidade e uso esses traços para pintar um mundo de sonhos sem dar pistas sobre quem sou eu. Abro uma janela e respiro o cheiro a tinta de uma manhã pintada de fresco. Fecho os olhos e recolho a noite. Gosto do conforto das tuas mãos.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

19

Palavras que nunca ficaram escritas e que nunca te foram ditas. Palavras que só na minha cabeça tiveram o seu espaço e a sua coragem. Na verdade são conceitos que nunca chegaram sequer a existir. Nunca viram a cor dos teus cabelos com o brilho do sol, nunca viram como são os teus olhos. Palavras que não são escritas não existem. São como bombas que nunca chegam a explodir. Dos cadernos, agora esquecido, arrumados em prateleiras poeirentas e em caixas de sótãos, saltam ainda raras vezes algumas palavras. Essas que conheceram o negro da tinta e o peso do papel suave em que deslizavam rumo a uma liberdade que parecia querer liberta-las quando na verdade só as estava a aprisionar num sitio diferente. Cartas escritas de um remetente demasiado assustado com o que as palavras lhe sussurravam ao ouvido. Cartas de uma só direcção, sem caminho feito, sem conhecer o peso do selo. Um destino que nunca souberam qual era, uma pessoa sem nome. As palavras nas cartas nunca se denunciaram. Conheciam-lhe o cheiro e o gesto, o sabor das palavras mas nunca souberam o seu nome.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

14

De coração aberto coso com finas agulhas, presas a carinhos-de-linhas, as fracturas deixadas por essa doença degenerativa. Coso, por não aguentar mais o barulho do sopro provocado pelo suspiro, e esse frémito palpável torna-se agora mais ensurdecedor no silêncio da tua presença. E é no silêncio da tua presença,no teu cheiro que não existe, na tua agnosia de mim, que solto um grito disfónico e incapaz de articular a primeira e a segunda pessoa num plural.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

12

Desenho original de Victor Mesquita publicado na revista Visão a 15 de Maio de 1975

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

11

Ando pelas ruas do mundo à procura de cores para pintar a minha vida. Procuro nas esquinas da razão o que leva até estes caminhos. O hábito da carne continua a procurar-te nas noites frias. Às vezes tenho medo de mim mesmo, de não saber o percurso de volta para um sitio seguro, para o meu sitio seguro. Os impulsos levam-me de lugar em lugar, de pessoa em pessoa e os momentos fazem-se vagarosamente estendendo-se pelo tempo. Sucumbo nos ponteiros do tempo, o meu corpo estagna e a mente dispara sobre as ideias que alastram num breve surto de loucura. Rapidamente a mágoa do esquecimento apodera-se de um futuro que ainda não está lá. Sinto-me fora do meu tempo.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

6

Solidão literária e o drama do copo que me acompanha em cima da mesa, aliás a única coisa que me acompanha para todo o lado, cheio e vazio por vezes com gelo a derreter o tempo que demoro a olhar para ele mas sempre presente. A companhia exaltada de um monte de cigarros, demasiado pensativos, queimados e fumados num cinzeiro demasiado cheio para uma só noite de uma só pessoa. Numa espécie de cenário de filme a preto e branco onde o protagonista da história se vê atormentado entre dividas a uma qualquer máfia e o amor de uma mulher que abandonou deixando para trás somente uma carta. Não lhe falta sequer o nevoeiro que espreita na janela da rua entre intervalos de chuva quase constante. A escrita de alguém é sempre sobre si mesma, não adianta disfarçar, não adianta fugir do inevitável. Por muito que a fuga corra sempre para situações de terceiros ficcionadas com maior ou menor pormenor, há sempre algo no fundo que é nosso.

* * *

Foi assim que aconteceu daquela vez, deve ser assim que acontece regularmente não sei quantas mil vezes por todo o mundo todos os dias. As pausas em que levanto o olhar do papel onde escrevo, perco-as dividido entre o perder-me olhando para o cigarro que arde sozinho nas minhas mãos e na multidão alheia que me rodeia.

* * *

Ela fixa atentamente as suas próprias mãos, quer a cruzar os dedos quer a brincar com cigarro que lhe vai passando pelas mãos em momentos breves mas de um prazer incrível. Olha para as mãos como se estivesse a mexer e a estudar uma qualquer recente descoberta da ciência. Desvia toda a sua concentração para aquele pequeno plano ignorando completamente o que a rodeia. Uma atenção aplicada para algo que nos passa pelos olhos tantas vezes. No entanto servem-lhe de refúgio para algo que ela não quer mesmo ver.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

4

As batidas do coração certas como um relógio. O tempo que se altera na tua presença e as batidas que se tornam inconstantes. A cadência das palavras que teima em ser mais rápida que a mão que as escreve e o erro que se repete sempre que a batida se altera. As vontades que deixamos para trás tantas vezes trocadas por um simples abraço. O calor de um abraço que faz apetecer um beijo e um beijo que nos leva para fora daqui. No fundo o som é sempre o mesmo... calmo ou agitado: tum tum; tum tum; tum tum...

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

3

A maior dor provêm do silêncio, da ausência de senso nos actos mudos que procuram de ti um pouco mais que a carne fria da aurora. No teu silêncio altamente perigoso, vigora ainda o mais imaginário amor, daquela que nunca Era uma vez, a nossa história.