quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

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Solidão literária e o drama do copo que me acompanha em cima da mesa, aliás a única coisa que me acompanha para todo o lado, cheio e vazio por vezes com gelo a derreter o tempo que demoro a olhar para ele mas sempre presente. A companhia exaltada de um monte de cigarros, demasiado pensativos, queimados e fumados num cinzeiro demasiado cheio para uma só noite de uma só pessoa. Numa espécie de cenário de filme a preto e branco onde o protagonista da história se vê atormentado entre dividas a uma qualquer máfia e o amor de uma mulher que abandonou deixando para trás somente uma carta. Não lhe falta sequer o nevoeiro que espreita na janela da rua entre intervalos de chuva quase constante. A escrita de alguém é sempre sobre si mesma, não adianta disfarçar, não adianta fugir do inevitável. Por muito que a fuga corra sempre para situações de terceiros ficcionadas com maior ou menor pormenor, há sempre algo no fundo que é nosso.

* * *

Foi assim que aconteceu daquela vez, deve ser assim que acontece regularmente não sei quantas mil vezes por todo o mundo todos os dias. As pausas em que levanto o olhar do papel onde escrevo, perco-as dividido entre o perder-me olhando para o cigarro que arde sozinho nas minhas mãos e na multidão alheia que me rodeia.

* * *

Ela fixa atentamente as suas próprias mãos, quer a cruzar os dedos quer a brincar com cigarro que lhe vai passando pelas mãos em momentos breves mas de um prazer incrível. Olha para as mãos como se estivesse a mexer e a estudar uma qualquer recente descoberta da ciência. Desvia toda a sua concentração para aquele pequeno plano ignorando completamente o que a rodeia. Uma atenção aplicada para algo que nos passa pelos olhos tantas vezes. No entanto servem-lhe de refúgio para algo que ela não quer mesmo ver.

2 comentários:

  1. Os mininos têm andado muito inspirados...estou a precisar de um shot dessa vossa inspiração para os exames! E um cafézinho no Rui não vai? bjinhos grandes

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  2. A descriçao da tua escrita é bem reveladora do "ambiente" e "paladar" da tua escrita.
    Tas a precisar urgentemente da primavera, ehe.

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